29/11/2024
A actual revisão dos estatutos do MPLA vai permitir instaurar um sistema bicéfalo, em que João Lourenço continuaria presidente do partido e uma outra personalidade seria indicada pelo Bureau Político e pelo Comité Central para candidato a presidente da República. Em teoria, esse cenário é possível, mas a história ensina o contrário: no final, só uma das cabeças f**a realmente a mandar.
por RUI VERDE
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Muitos observadores avalizados, defendem que a revisão dos estatutos do MPLA, actualmente em curso, vai permitir instaurar um sistema bicéfalo, em que João Lourenço continuaria presidente do partido e uma outra personalidade seria indicada pelo Bureau Político e pelo Comité Central para candidato a presidente da República.
É evidente que as normas propostas para aprovação permitem esse cenário, mas a história ensina que é um cenário quase impossível. As bicefalias são quase sempre falsas. No final, uma das cabeças acaba por f**ar a mandar, mesmo que inicialmente ambas pareçam formar uma parceria. No caso angolano, a cabeça que f**ar na Presidência da República será a cabeça mandante.
Comecemos por analisar as alterações a implementar nos estatutos.
AS ALTERAÇÕES NOS ESTATUTOS DO MPLA
Com a aprovação, aparentemente sem oposição, da proposta de revisão dos estatutos do MPLA pelo Comité Central do partido no passado dia 25 de Novembro, tornou-se certo que as alterações pretendidas vão ser submetidas ao congresso extraordinário de Dezembro.
Assim se percebe que a questão da admissibilidade de revisões estatutárias em congressos extraordinários do MPLA, que foi muito discutida na arena pública, não era assim tão relevante. Em primeiro lugar, porque a letra da norma era claramente favorável à possibilidade de revisão, e só uma sua interpretação bastante celestial permitiria outra interpretação; em segundo lugar, porque qualquer tribunal, a não ser que estivesse em causa uma questão constitucional estruturante, se mostraria respeitador da vontade dos órgãos legítimos de um partido.
Não se deve pretender que o direito cumpra objectivos políticos, quando é evidente que a política tem quase sempre instrumentos mais fluidos para contornar o direito.
A revisão apresentada ao Comité Central é bastante reduzida e visa essencialmente corrigir a contradição que existia entre o artigo 120.º dos Estatutos do MPLA, que determina que o presidente do partido é o candidato a presidente da República, e os artigos 81.º q) e 91. n.º 3, que estabelecem que o candidato a presidente da República resulta de um processo deliberativo a correr no Bureau Político e no Comité Central. Estas normas eram incompatíveis, como já havíamos alertado em Maio passado.
Agora, nos termos dos futuros artigos 82.º, 91.º, 119.º, 120.º, os candidatos a deputados (com excepção dos deputados pelos círculos eleitorais provinciais, que têm um regime diferente), a vice-presidente da República e a presidente da República resultam de um processo de escolha em que o Bureau Político e o Comité Central desempenham um papel fulcral: o primeiro propõe e o segundo aprova. Daqui se conclui que o poder essencial f**a concentrado no Comité Central e no bureau político, e, por exclusão, não pertence ao Congresso, nem ao presidente do partido. No final, é uma questão de controlo: quem controlar o Comité Central controla o partido. De certa maneira, de um lado, o congresso não terá tanta importância e, do outro, o presidente do partido pode ver-se a braços com opiniões ou votações diferentes no Comité Central, como aliás aconteceu em Moçambique este Verão, aquando da escolha do candidato da FRELIMO.
Outras alterações dos Estatutos são menores e ocorrerão no artigo 43.º – uma mera eliminação da referência a distrito urbano na organização territorial do partido –, depois nos artigos 76.º, 78.º, 79.º e 80.º, que se referem aos congressos, sem novidades a destacar. De realçar, somente, um mecanismo amplo de convocação de um congresso extraordinário, ainda que dependente da aprovação do Comité Central, reforçando a ideia de um robustecimento deste órgão. Verif**a-se também uma alteração curiosa da maioria necessária para aprovar deliberações num congresso: em vez da maioria absoluta dos presentes votantes, passa a ser a maioria absoluta dos presentes (artigo 78.º). Competirá aos kremlinólogos interpretar esta modif**ação.
Finalmente, parece existir um reforço da atenção à Comissão de Disciplina, que provavelmente passará a ser mais actuante, quiçá imitando a poderosa Comissão de Disciplina do Partido Comunista Chinês, que é a linha da frente do presidente Xi Jinping no combate à corrupção e nas purgas partidárias (cfr. futuros artigos 61.º e 85.º k). A última mexida vai para uma densif**ação teórica do papel da JMPLA (artigo 125.º).
A INVIABILIDADE DAS BICEFALIAS
As bicefalias não funcionam. Não funcionaram em Angola em 2017/2018 e, de um modo geral, nunca funcionaram em lugar nenhum do mundo.
A União Soviética e a Rússia de Putin são exemplos razoavelmente recentes de bicefalias falsas. No caso da União Soviética, é conhecido que a Estaline lhe bastava ser secretário-geral do Partido Comunista para comandar tudo. Outros assumiam o posto equivalente a presidente da República, mas não mandavam nada. Veja-se o exemplo, de Mikhail Kalinin: foi o chefe de Estado no tempo de Estaline, mas não passava de uma marioneta nas mãos do líder, que inclusivamente mandou prender e torturar a mulher de Kalinin.
Já no nosso século, Putin, proibido pela Constituição russa de se recandidatar a presidente, enviou o seu auxiliar Dimitri Medvedev para ocupar o cargo, o que este fez obedecendo sempre a Putin, reentregando-lhe o cargo no final do mandato.
Consequentemente, não temos aqui bicefalias, mas apenas um detentor do poder efectivo. E detém-no porque f**a com o controlo directo dos meios de repressão, seja o NKVD, o FSB ou qualquer serviço de segurança do Estado.
Em Angola, o sistema de poder entrega, na prática, as alavancas da coacção a quem é presidente da República e não ao presidente do partido. Assim, quem for presidente da República f**a com o comando das Forças Armadas, das Forças de Segurança e das Polícias, além do controlo do dinheiro do orçamento. Basta lembrar que Angola ainda é uma sociedade rentista, isto é, em que se espera que seja o Estado a dar os rendimentos e os lucros a todos, desde os maiores empresários até aos mais afamados intelectuais. Portanto, quem tem o dinheiro tem o poder de conformação político-social.
Sem dinheiro nem exército, o presidente do partido f**a impotente. Nestes termos, é evidente que nenhum acordo bicefálico poderá resultar.
Para haver uma bicefalia minimamente funcional, seria necessário introduzir um sistema semipresidencial, que esvaziasse um pouco os poderes do presidente da República e criasse um primeiro-ministro – o presidente do partido – com poderes executivos reais (o que nunca aconteceu efectivamente em Angola). Mas para isso seria preciso rever Constituição, o que é altamente improvável…
Assim, o caminho é bastante racional para João Lourenço: ou opta por um terceiro mandato ou se afasta definitivamente. Não há vias intermédias, por muito que as mentes mais brilhantes se esforcem por encontrá-las. A dinâmica da história está a bifurcar-se de modo inapelável. F**a o alerta para as forças políticas, económicas e sociais.
Muitos observadores avalizados, defendem que a revisão dos estatutos do MPLA, actualmente em curso, vai permitir instaurar um sistema bicéfalo, em que João