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22/01/2025
Ter consciência da importância vital da educação para o futuro de Angola é a primeira condição para agir em prol do seu desenvolvimento. A segunda condição é a vontade política. João Lourenço ainda vai a tempo de montar os alicerces para a tão necessária reforma do ensino. É nesse sentido que o presidente da direcção do Centro de Estudos Ufolo para a Boa Governação enviou uma carta aberta ao presidente da República.
por RAFAEL MARQUES DE MORAIS
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EXCELÊNCIA
Em nome da direcção do Centro de Estudos Ufolo para a Boa Governação, vimos apelar a Vossa Excelência para que dê a máxima prioridade estratégica, política e orçamental à Educação na segunda metade do Vosso mandato presidencial, que começa no início de 2025.
Fazemo-lo alicerçados na larga experiência que vimos acumulando através do Unidos pela Educação, um projecto colaborativo sem fins lucrativos que reúne o Ministério da Educação, a Fundação Ulwazi e o referido Centro Ufolo.
Colocar a ênfase na Educação será uma forma de Vossa Excelência dar um contributo definitivo para a História de Angola. A Educação é essencial para o desenvolvimento dos seres humanos, pois é o conhecimento que nos permite compreender o mundo e desenvolver competências pessoais e sociais, capacitando-nos para criar um futuro individual e colectivo melhor, com mais oportunidades socioeconómicas e com melhor participação na sociedade.
Está nas mãos de Vossa Excelência dar finalmente uma oportunidade ao futuro das crianças angolanas. Actualmente, um terço das crianças em idade escolar (dos 5 aos 11 anos) – mais de três milhões – estão fora do sistema de ensino.
A Educação é um direito humano e um dos instrumentos mais fortes para impulsionar o crescimento económico, aumentar o PIB nacional, reduzir a pobreza, criar oportunidades de emprego e melhorar a saúde. É igualmente um sector essencial para promover a igualdade de género, a paz e a estabilidade.
Investir em Educação traduz-se, a médio e a longo prazo, em retornos elevados e consistentes em termos de rendimento; a curto prazo, é o factor mais importante para garantir a equidade e a inclusão. Em suma, a Educação é um dos mais poderosos impulsionadores do desenvolvimento.
O nosso País tem, a este nível como noutros, um enorme potencial humano por explorar. Para o concretizar, urge reformar o sistema educacional, dotá-lo de qualidade e garantir às novas gerações o acesso universal à Educação, para que possam alavancar o desenvolvimento do país.
A experiência desenvolvida no referido projecto Unidos pela Educação permite-nos trazer propostas concretas, através das quais é possível criar um sistema educativo robusto.
Antes de mais, Vossa Excelência pode mobilizar o governo e a sociedade ao visitar algumas escolas primárias e dialogar com professores e alunos para uma constatação in loco da realidade do ensino primário no país.
Vossa Excelência pode orientar os membros do governo e os governadores provinciais a seguirem o seu exemplo na mobilização política para uma Campanha Nacional de Educação, estabelecendo esta área de desenvolvimento como a prioridade de todos.
Angola tem de aumentar substancialmente o orçamento da Educação; tem de proceder a uma reforma de actualização curricular; e tem de atribuir maior autonomia às escolas, assegurando uma administração escolar descentralizada e flexível.
O governo de Vossa Excelência deve garantir a orçamentação directa das escolas primárias ou, numa primeira fase, das direcções municipais de Educação, para que estas tenham recursos essenciais de apoio ao seu funcionamento e à manutenção das suas infra-estruturas.
As escolas primárias, não tendo orçamentação, sobrevivem dos apoios concedidos pelos pais e encarregados de educação através do pagamento de taxas e emolumentos. Esta situação não é sustentável.
A municipalização e a orçamentação por unidade dos serviços educativos melhoram a qualidade da educação; sem essa municipalização e orçamentação específ**a, o sector f**a mergulhado em dificuldades. Para compreender o cenário inoperante actual, basta observar o que se passa nas administrações municipais, que tentam apoiar as escolas do ensino primário, mas não têm meios nem capacidades para isso.
Com efeito, a alocação de recursos ao sector deve assegurar o equilíbrio entre os diferentes níveis de ensino, à luz da Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino, que define os níveis de responsabilidade na construção, manutenção e gestão de infra-estruturas escolares de cada subsistema. Desse modo, as administrações municipais têm responsabilidade sobre o pré-escolar e ensino primário, enquanto os governos provinciais respondem pelo I e II ciclos do ensino secundário. O Ministério da Educação (MED) responde pelas infra-estruturas do ensino técnico-profissional e pedagógico. Porém, o MED responde pela orientação metodológica e supervisão de todo o sistema de ensino não-superior.
A reforma curricular é outro aspecto extremamente relevante. Os programas curriculares constituem o epicentro do sistema educativo, e não há qualidade de ensino sem qualidade curricular.
Os actuais materiais curriculares já têm mais de 15 anos de vigência, a contar da Segunda Reforma Educativa (2004-2012), apesar dos ajustes e correcções pontuais que se foram introduzindo.
Importa referir que, em Maio de 2022, Angola acolheu o lançamento da Estratégia a Médio Prazo (2022-2025) do Bureau Internacional de Educação (BIE) da UNESCO. Na ocasião, o Executivo que Vossa Excelência dirige assinou um Memorando de Entendimento com o BIE, representado pelo Ministério da Educação, com vista a assegurar a assistência técnica da UNESCO no País. Trata-se de garantir a cooperação institucional nos diferentes níveis de intervenção educativa, incluindo: adequação dos currículos às necessidades actuais; actualização e desenvolvimento do referencial de competências dos agentes de educação; reforço do Sistema Nacional de Avaliação das Aprendizagens; apoio à inspecção e supervisão pedagógicas; mobilização de apoios financeiros dos parceiros públicos e privados. Com base no Memorando, o Ministério da Educação elaborou um Programa de Transformação Curricular, que urge reavivar e implementar.
Outra questão relevante no contexto curricular é a das línguas. No sistema educativo angolano, o português é a língua oficial. Ora, em Angola, uma parte considerável das crianças não fala português como língua materna. Como é fácil compreender, este desfasamento linguístico tem graves consequências em termos de compreensão e aproveitamento escolar. É preciso encarar o problema e contemplar nos programas curriculares o desenvolvimento das competências plurilinguísticas nos alunos, atendendo à realidade sociolinguística do País.
Estudos feitos pelo Ministério da Educação, pelo EGRA (Early Grade Reading Assessment) e o Banco Mundial demonstram que os alunos que terminam o ensino primário em Angola têm sérias lacunas de literacia e numeracia. Por outras palavras, a maior parte dos alunos do ensino primário conclui este ciclo com sérios problemas de leitura, escrita e cálculos simples.
Se olharmos para o índice de desperdício escolar no ensino primário, identif**amos um aproveitamento académico preocupantemente baixo, fruto, entre outros factores, do abandono escolar nos primeiros anos. Também aqui, a orçamentação e autonomia das escolas são ferramentas essenciais, pois só no contexto específico de cada escola e de cada comunidade é possível compreender os mecanismos do abandono escolar e encontrar formar de o mitigar.
Destaca-se ainda a inexistência de um quadro de orientação curricular, necessário para enquadrar a actuação dos professores ao nível dos programas de ensino. Também temos verif**ado, no terreno, que o número de disciplinas no ensino primário é actualmente excessivo: sendo de muito difícil gestão pelos professores, também não traz utilidade aos alunos, todos se desviando das matérias essenciais de literacia e numeracia que tanto precisam de reforço. Assim, é necessário reduzir o número de disciplinas e mantê-lo estável desde a 1.ª até à 6.ª classes.
É igualmente notória a ausência de um sistema nacional de avaliação, o que dificulta a apreensão dos níveis de aprendizagem dos alunos. Realizam-se provas e exames, mas falta um sistema nacional de avaliação que regule essas provas e exames.
EXCELÊNCIA,
Deixámos aqui algumas sugestões de actuação, fazendo votos para que sejam adoptadas pelo Governo dirigido por Vossa Excelência na segunda metade do mandato.
A implementação destas propostas poderá servir de convocatória e mobilização de toda a sociedade para que não se poupem esforços na melhoria do ensino das nossas crianças e em condições condignas.
As nossas propostas foram pensadas ao longo dos anos de vigência do projecto Unidos pela Educação, e resultam do diálogo com toda a comunidade educativa – professores, administradores, pais, alunos e servidores públicos – nas várias regiões do País.
Desde 2021, o projecto Unidos pela Educação capacitou cerca de 800 professores primários nas províncias do Bié, Huambo, Kwanza-Norte, Lunda-Norte, Lunda-Sul e Malanje, num ciclo de oito semanas para cada beneficiário. Para além da formação, os professores das escolas abrangidas pelo projecto contam com visitas regulares de acompanhamento, por parte dos formadores, para monitorização da aplicação prática das novas metodologias de ensino centradas no aluno. A formação estendeu-se, também, a um total de 351 gestores escolares nas seis províncias referidas. Como parte da iniciativa, o projecto Unidos pela Educação está empenhado na construção e reabilitação de escolas, bem como na adopção de um modelo de envolvimento das comunidades na sua conservação, manutenção e limpeza.
Entendemos que a Educação é uma responsabilidade de todos: Estado, famílias e comunidade. Tem de ser um desígnio conjunto, baseado na parceria entre entidades e esforços comuns, mas é a Vossa Excelência que compete dar o “tiro de partida”. É esse o desafio que aqui colocamos, convocando todas as forças do país para o desenvolvimento sustentável da sua população.
Descentralização e autonomia orçamental, reforma curricular e introdução efectiva das línguas nacionais, são os patamares iniciais da estruturação moderna que a Educação necessita.
A Educação tem de ser a nova prioridade das prioridades.
Subscrevemo-nos com a mais elevada consideração,
Rafael Marques de Morais
(Presidente de Direcção do Centro de Estudos Ufolo)
Luanda, aos 15 de Janeiro de 2025
Ter consciência da importância vital da educação para o futuro de Angola é a primeira condição para agir em prol do seu desenvolvimento. A segunda con